por jorgemartins | ago 25, 2020 | Artigos
Mudança de entendimento do STJ representa importante alteração nas regras do jogo para os contribuintes
Por Elias Maron e Tarik Vervloet
Como já amplamente noticiado, a 3ª Secção do STJ, órgão especializado em matéria penal e responsável pela uniformização da jurisprudência das turmas criminais, na ocasião do julgamento do HC nº 399.109/SC, firmou o entendimento de que será considerado crime de apropriação indébita tributária, nos moldes previstos pelo art. 2º, II da Lei nº 8.137/19901, o não recolhimento do ICMS em operações próprias, independentemente de terem sido declaradas ao fisco.
Assim, mesmo tendo adimplido todas as obrigações acessórias – declaração em documento próprio e livros fiscais – tal conduta não seria capaz de elidir a ocorrência do fato típico da norma penal, uma vez que o crime estaria configurado no momento em que o contribuinte repassa a terceiro, embutido no preço do produto, o valor correspondente ao ICMS. Logo, se o ônus tributário foi transmitido ao consumidor final e o imposto não foi adimplido – o que segundo o STJ caracterizaria o dolo – o contribuinte apropriou-se indevidamente do tributo em questão.
A nova compreensão do tema altera o posicionamento assente na Corte Superior, no sentido de que o crime fiscal apenas ocorreria quando a conduta delitiva dependia do fato de o tributo não repassado ter sido descontado ou cobrado do contribuinte. Em outras linhas, no caso do ICMS, o crime só poderia ser praticado pelo substituto tributário (ICMS-ST), já que o consumidor final não é contribuinte (apesar de suportar o encargo econômico). Desse modo, a decisão em análise conferiu ao ICMS em recolhimento próprio o mesmo tratamento para o ICMS ST, conferido ao consumidor final a condição de sujeito passivo da obrigação tributária.
Em sentido contrário a esse entendimento, dentre outros argumentos, alega-se que a declaração do tributo às autoridades significa demonstração de boa-fé do contribuinte e que a inadimplência tributária é, muitas vezes, fruto de dificuldades financeiras da empresa. Dessa forma, a mera inadimplência não pode ser confundida com o crime de apropriação indébita tributária, uma vez que ausente o dolo necessário para caracterização da conduta criminosa.
Pontua-se, ainda, que, por mais que o repasse do custo do ICMS ao consumidor final seja uma prática comum, essa transmissão de encargo financeiro não pode ser afirmada objetivamente para fins de imputação de uma conduta típica, uma vez que o consumidor final é apenas contribuinte de fato, que suporta o encargo econômico inserido no preço do produto, mas não contribuinte de direito, o que é extremamente relevante para a configuração do tipo penal.
Outro aspecto relevante diz respeito é responsabilização pessoal do gestor. A responsabilidade tributária pelo adimplemento do crédito é da pessoa jurídica (sujeito passivo de obrigação tributária)2, podendo recair sobre a pessoa do gestor caso se comprove que o mesmo praticou atos com excesso de poderes ou infração à lei, nos termos do artigo 135 do CTN. Assim, o simples inadimplemento da obrigação tributária pelo contribuinte não caracteriza a infração prevista no artigo 135.
Se a responsabilização tributária do gestor não pode decorrer do mero inadimplemento, quiçá sua responsabilidade criminal. Para que se configure a responsabilização criminal do gestor pelo crime do artigo 2º da Lei nº 9.964/2000, é necessária a comprovação da sua condição de administrador da empresa, junto com a individualizada descrição da conduta típica, e o vínculo, em concreto, de ambas, com o suposto evento criminoso.
A despeito das opiniões contrárias sobre o tema, a decisão proferida pela Terceira Secção constituiu precedente lastreado no art. 127 do RISTJ, visando à uniformização da questão na quinta e sexta turmas do STJ, com alto potencial de influenciar os tribunais inferiores. Vale destacar que, no âmbito do STJ, o precedente já foi utilizado recentemente, em sede de decisão monocrática, para negar provimento ao REsp nº 1598005/SC. Sendo assim, não restam dúvidas de que o tema está pacificado no tribunal.
Ademais, insta mencionar que o STF, ao julgar o ARE 999425 RG/SC, em março de 2017, com reconhecimento de repercussão geral, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria no sentido de que a criminalização por apropriação indébita tributária não viola o art. 5º, inciso LXVII3, da Constituição Federal, em virtude de seu caráter penal, não havendo qualquer tipo de relação com a prisão civil por dívida.
O posicionamento do STF sobre o tema, mais de um ano antes, corrobora para a consolidação do entendimento do STJ, ao passo que a declaração de constitucionalidade da conduta tipificadas na Lei nº 8.137/1990, afasta qualquer questionamento sobre a subsunção do ilícito penal a simples débito fiscal. Ademais, o STF também tratou a conduta como crime formal, sendo suficiente para a condenação a constatação do dolo genérico.
Logo, a consolidação desse entendimento deve gerar impactos significativos na relação que os contribuintes têm com o preenchimento de obrigações acessórias, especialmente aqueles milhares que estão inadimplentes em relação ao pagamento de qualquer tributo indireto como o ISS, IPI e PIS/Cofins, uma vez que a ratio decidendi pode ser facilmente estendida a esses tributos.
Assim, seguindo a linha do que ocorreu com o Recurso Extraordinário (RE) 574.706, que fixou o Tema 69 de repercussão geral no sentido de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”, que foi utilizado pelos contribuintes como fundamento para criar teses4 derivadas desta discussão, o Ministério Público deverá adotar a mesma estratégia para alcançar os contribuintes inadimplentes com os demais tributos indiretos.
Sob o holofote da nova decisão, o fisco, ao identificar que o contribuinte declarou e não efetuou o pagamento do tributo, remeteria ao Ministério Publico a informação de débitos de ICMS, para o oferecimento da denúncia. Assim, o contribuinte passa a responder tanto na esfera tributária – com a inscrição dos débitos em dívida ativa, quanto na criminal, com a denúncia. Uma interpretação dessa natureza pode estimular o aumento da litigiosidade tanto em âmbito tributário como no âmbito criminal.
A partir desse mote, a criminalização da conduta fatalmente acarretará aumento do contencioso judicial, provocado por um crescimento exponencial de processos criminais vinculados ao tema, como uma forma de intimidar o contribuinte a realizar o pagamento, ou parcelar a débito.
No que concerne ao relacionamento fisco/contribuinte, essa mudança de entendimento pode contribuir para um agravamento dessas relações, tornando o ambiente ainda mais árido e antagônico, caminhando em sentido oposto à tendência global de cooperação e colaboração entre ambos os sujeitos. Ademais, esse posicionamento pode colocar em cheque uma série de esforços e ações encabeçadas, por alguns Estados na busca de um ambiente de diálogo e entendimento junto aos contribuintes.
Por fim, é importante lembrar que essa mudança de entendimento do STJ representa uma importante alteração nas regras do jogo para os contribuintes, o que se traduz num cenário de insegurança jurídica e incertezas para o empresariado, o qual já atravessa momentos difíceis.
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1 Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
2 Nesse sentido, a Súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”
3 LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
4 Podemos citar como teses derivadas: 1) Exclusão do ISS da base de PIS/COFINS; 2) Exclusão do ICMS-ST da base de PIS/COFINS; 3) Exclusão do ICMS da base da CPRB; 4) Exclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido; 5) Exclusão do PIS/COFINS da base do próprio PIS/COFINS.
Elias Maron Couto Vieira é Sócio do Basile, Cardozo e Marinho Advogados, aluno do Mestrado Profissional em Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.
Tarik Vervloet Fontes é Procurador do município de Itabuna, BA, aluno do Mestrado Profissional em Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.
Publicado no portal Jota
por jorgemartins | ago 25, 2020 | Artigos
Por Ana Patrícia Batista
O 13º salário, ou gratificação de Natal, foi instituído no Brasil em 1962, através da Lei 4090/62. É um dos direitos trabalhistas assegurados pela Constituição Federal, através do art. 7, VIII.
Todo trabalhador tem direito à gratificação, seja ele doméstico, rural, urbano ou avulso. A partir de quinze dias de serviço, o funcionário já passa a ter direito a receber o décimo terceiro salário. O trabalhador com menos de um ano de empresa recebe, mas em valor proporcional ao tempo que ele integra a empresa. Possuem direito à gratificação, também, os aposentados e pensionistas do INSS.
O benefício deve ser pago em duas parcelas. A Lei determina que a primeira seja paga entre o dia 1º de fevereiro até o dia 30 de novembro. A segunda deve ser paga até o dia 20 de dezembro, tendo como base de cálculo o salário de dezembro menos o valor adiantado na primeira parcela. Há a possibilidade de a primeira parte da gratificação ser paga nas férias, desde que o profissional solicite, por escrito, ao empregador.
No encerramento do contrato de trabalho, o trabalhador terá direito ao recebimento do 13º salário proporcional ao número de meses trabalhados no ano corrente, com uma exceção: funcionários demitidos por justa causa perdem o direito ao benefício.
Mesmo funcionários afastados do trabalho, por doença ou por licença maternidade, têm direito de receber o 13º salário. Nesses casos, o empregador faz o pagamento do benefício referente aos 15 primeiros dias de afastamento. A partir do 16º dia, essa passa a ser uma responsabilidade do INSS.
Poucos países possuem legislações que preveem o 13º salário. México, Panamá e Portugal instituem o benefício de forma semelhante ao Brasil. No primeiro, o 13º chega a ter um apelido: os trabalhadores o chamam de “Aguinaldo”. A Alemanha e a Áustria não têm o benefício garantido por lei, mas o pagamento ocorre mediante acordos entre empresas e trabalhadores.
Falar sobre direitos trabalhistas em diferentes países, no entanto, é comparar realidades desiguais.
Cada país tem a sua cultura e o conjunto de leis de proteção do trabalhador. Há nações com direitos flexíveis (para férias e gratificações, por exemplo), mas severas punições a quebras de contratos e acordos. Em outras, a demissão sem causa, como conhecemos, sequer existe.
Voltando ao Brasil, é muito importante pontuar que, embora a Lei 13.467/2017 tenha trazido diversas alterações na legislação trabalhista, nenhuma reforma poderá alterar o direito ao 13º salário. Pelo contrário, por força do art. 611-B, o décimo terceiro não pode ser objeto de negociação ou supressão por parte dos empregadores, o que faz com que em meio a tantas inseguranças, o trabalhador fique tranquilo em relação à sua gratificação de final de ano.
Ana Patrícia Batista é Coordenadora Jurídica do Basile Marinho Advogados e Consultores
por jorgemartins | ago 25, 2020 | Artigos
*Por Marcelo Mensitieri
Pouca gente sabe, mas contratar com o Poder Público pode sim proporcionar a uma empresa ou consórcio de empresas a possibilidade de aumentar seus ganhos lucrativos com menos chances de inadimplemento por parte do Estado. Tudo isso, graças a um instituto jurídico administrativo pouco conhecido quanto aos benefícios que trazem àquele particular que contrata a prestação de Serviços Públicos, normalmente precedidos de construção de Obra Pública.
A lei 11.079 de 2004, ao instituir a Parceria Público-Privada (PPP), mudou completamente o cenário tradicional das contratações com o Estado. A empresa, muito embora inicialmente arque com um valor elevado para colocar em prática o que foi contratado, tem ao seu favor a segurança legal de que tudo aquilo que gastou com a implementação e manutenção da obra e do serviço será resgatado.
Na prática, a PPP tem a finalidade de implementar ou gerir obras, serviços ou atividades de interesse público, com um modelo em que a empresa é responsável pelo financiamento e pela exploração do serviço. Hoje, uma das principais parcerias deste tipo no Brasil é a concessão de rodovias. O modelo é viável porque a lei determina que o poder público remunere a empresa por meio de variadas formas, seja por pagamento em dinheiro, cessão de créditos não tributários, ou cessão de direitos sobre bens públicos imóveis. Assim, a empresa, além de cobrar dos usuários tarifas pelo uso efetivo do serviço público por, pelo menos, cinco anos – a exemplo dos pedágios nas rodovias –, por força legal também receberá uma contraprestação do Estado.
A PPP prevê ainda alguns tipos de garantias para as empresas que financiam as obras, entre elas a vinculação de receitas de tributos; o seguro garantia; os fundos instituídos para este fim; além do Fundo Garantidor de PPP, uma massa patrimonial com personalidade jurídica própria, instituída apenas para assegurar o pagamento.
Outro aspecto que caracteriza o equilíbrio instituído pelas PPPs é que as empresas não assumem sozinhas os danos causados a terceiros em decorrência de problemas na obra ou no serviço prestado, havendo, portanto, responsabilidade solidária do poder público.
Em um país com imensa demanda por investimentos em infraestrutura, um modelo de parceria que compartilha riscos e arrecada valores elevados tem importância fundamental no crescimento econômico brasileiro.
(*) Marcelo Mensitieri é advogado do Basile Marinho Advogados e Consultores
por jorgemartins | ago 25, 2020 | Artigos
*Por Ana Patrícia Batista
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem surpreendendo, desde o ano passado, ao desobrigar os planos de saúde a cobrir o tratamento da infertilidade com o uso da técnica da fertilização in vitro. Os ministros que compõem a Turma têm feito uma interpretação restritiva, desconsiderando por completo os princípios constitucionais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9656/98, que regula os planos de saúde.
O STJ utiliza como argumento a expressa limitação da Lei 9656/98, que desobriga os planos de saúde a cobrirem a inseminação artificial. Ocorre que se tratam de técnicas distintas e que, por outro lado, não há expressa exclusão da cobertura da fertilização in vitro. Logo, as restrições contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, conforme o artigo 47 do CDC.
A diferença entre as técnicas é que, na inseminação artificial, as células reprodutivas masculinas são inseridas na cavidade uterina, onde eventualmente ocorrerá a fecundação; e na fertilização in vitro, a fecundação ocorre fora do organismo feminino. Essa confusão na interpretação do STJ pode colocar em xeque o direito de muitas mulheres que sofrem com o problema de infertilidade e estão na expectativa de realizar o tratamento com o custeio integral por parte do plano de saúde ou por parte do Estado.
Normalmente, os tribunais brasileiros decidem pela obrigação do plano de saúde de custear a fertilização in vitro, quantas vezes forem necessárias para o sucesso do tratamento. Isso porque a infertilidade é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, a Lei 9656/98 estabelece que os planos de saúde são obrigados a custear todas as doenças listadas na CID (Classificação Internacional das Doenças).
Sendo assim, há um equívoco na interpretação da 3ª Turma do STJ sobre o assunto, o que gera uma lacuna normativa que não pode ser interpretada de forma desfavorável ao consumidor, sendo necessária a garantia do direito constitucional ao planejamento familiar e do tratamento da infertilidade por meio da fertilização in vitro.
Ana Patrícia Batista é advogada e Coordenadora Jurídica do Basile Marinho Advogados e Consultores
por jorgemartins | ago 25, 2020 | Artigos
Por Maria Castro*
A recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins foi uma vitória para os contribuintes de um país com uma das mais altas cargas tributárias do mundo, e também indica que o Carf resolveu aplicar o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
A decisão da suprema corte, que agora ganha o aval do Carf, foi tomada em 2017 com efeito de repercussão geral. Ainda assim, na prática, não é possível simplesmente recolher PIS e Cofins com a exclusão do ICMS da base de cálculo, uma vez que a Receita Federal mantém o entendimento anterior, de permanência do ICMS.
A Receita inclusive já se manifestou sobre o assunto, no ano passado, justificando que não há previsão legal e que a decisão do STF ainda está pendente de julgamento. Isso porque a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) propôs recurso — embargos de declaração —, que ainda não foi analisado pela corte.
Acontece que exigir o trânsito em julgado não procede à luz das novas regras do Código de Processo Civil, pelas quais esses embargos não têm o poder de suspender a decisão, que é, portanto, imediata.
Sendo assim, para fazer valer as decisões favoráveis do STF e do Carf — em um contexto onde PIS e Cofins estão entre os mais onerosos tributos, com incidência no faturamento das empresas —, o contribuinte deve considerar a possibilidade de recorrer à Justiça. E já existem decisões de turmas do STJ e tribunais regionais federais que aplicaram a decisão do Pleno.
De toda forma, a posição do Carf é um passo importante para harmonizar a questão, já que a anterior resistência à exclusão do ICMS gerava grande insegurança jurídica, pois pairava no ar a pergunta: afinal, como é possível um ente administrativo julgador, no caso o Carf, se sobrepor uma decisão da mais alta corte?
E existe ainda outra questão relevante ligada à exclusão do ICMS: a possibilidade de recuperação, pelos contribuintes, dos valores indevidamente recolhidos a título de PIS e Cofins dos últimos cinco anos, uma devolução com impacto significativo nos cofres públicos.
(*) Maria Castro é advogada do Basile Marinho Advogados e Consultores
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